sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

fatia de guerra - andrew knoll





 “ na morte iminente, o tempo se dobra de forma visível”

essa afirmação, retirada do próprio texto, me parece definir algumas estratégias e também a poética presente em fatia de guerra. são 18 partes divididas por asteriscos em negrito sobre a página. em cada parte, habitações diferentes, que se misturam entre figuras paternais, infantis, animalescas, ou até mesmo soldados no front, a ameaça da morte.

a morte de uma cadela que deve ser abatida por seu dono faz o tempo se desdobrar e conter no espaço de poucas páginas, alguns flashes, clarões, às vezes na cor sépia, ou até em sonhos, projeções a partir daquele acontecimento. nos deparamos com dias anteriores àquilo tudo, minutos, ou até anos, mesmo antes da existência daquele animal, mas que são pinçados da memória daqueles que povoam aquele espaço: a menina, o homem e a cadela.

a morte do cão, da cadela. ela mesma acha a arma a tanto tempo escondida, enterrada no fundo do quintal.

as falas em algumas partes são bem delineadas: ele, ela, o avô, a menina, a cadela... em outras encontramos habitações simples, como o próprio autor indica. ou não tão simples assim. as palavras, frases inteiras escritas com determinada formatação contêm em si, cada uma delas, as experienciações de universos distintos, de relações diferentes com esse tempo dobrado, fatiado pela morte próxima.

há no texto uma ferramenta de construção que ilustra a tentativa de escolher, em vão, as palavras certas. as falas são interrompidas por ‘ok’ ou ‘continue’ ou ‘repita’ ou ‘não’. trazem essa sensação de que estão, o tempo todo, escolhendo as palavras para que tudo doa um pouco menos. em vão. e revelam que a linguagem permanentemente inventa as coisas, as pessoas, as sensações, o mundo - ao mesmo tempo que as destrói.





as palavras nos envolvem em universos tão distintos ao mesmo tempo tão confusos. mas a poética, a simplicidade da existência de um animal acaba por criar na obra essa mesma aura delicada e fugaz que sintetiza a vida de um cão, que diante da complexidade produzida pelas neuroses humanas, a responde de maneira leve, o que reflete um tanto na superfície das palavras que encontramos no papel.

como falar da morte de maneira leve? dificilmente. somente quando a libertação pelas palavras, quando as possibilidades do momento da morte, fugaz, se mostram tão vivificantes quanto. as pessoas morrem, os animais morrem, as famílias morrem, as árvores morrem e as crianças também. e talvez isso não seja tudo!

mas as coisas todas doem. o afeto dói e ao mesmo tempo salva.

fatia de guerra foi escrita por andrew knoll e faz parte da coleção dramáticas do transumano editado pela 7letras. fatia de guerra acompanha na publicação a dramaturgia de diego forte, procurado.

Um comentário:

  1. Quando li Fatia de Guerra retornei algumas vezes pra não perder os fragmentos ... cada palavra, cada sensação ...
    uma fagulha que aos poucos invade os pensamentos.
    Espero poder ver sua encenação um dia.

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